domingo, agosto 23, 2009

A SUCESSÃO

Quando a causa nos conduz ao abstracto e à possível contradição do nosso impulso, importa pouco a forma como se equaciona o desejável, desde que nos sobre a coragem de dar o passo em frente.
Esse passo, que a alguns a consciência pede, é tanto mais apetecido quando mais sentirmos as dificuldades da tarefa.
Colocado perante esta realidade a que me submeto contrariado, acode-me à memória escritos vários que anunciavam a imperatividade de enfrentarmos o futuro na perspectiva da salvação da nossa saúde mental.
É minha obrigação, enquanto cidadão livre, provocar todos quantos estão disponíveis para assumir a defesa dos valores que esta democracia ainda nos empresta.
Com o aproximar do fecho de um ciclo, desgastado pela usura das mais variadas formas de combate aos princípios democráticos, já se ouvem vozes de actuais Presidentes de Câmara a clamarem pela urgente implementação das Regiões Administrativas.
Preparados para mais um assalto a este poder, importa muito pouco que o contribuinte seja uma vez mais esbulhado, para satisfazer ambições de gente incapaz de sobreviver ao abrigo de capacidades intrínsecas.
Diz-se que esta espécie de paz do contentamento, vivida em glórias infindáveis por muitos Presidentes de Câmara, começa a tonalizar-se de cor pálida, à medida que o mandamento da limitação de mandatos se apresta no horizonte da verdade e do desejo daqueles que estão fartos destes contratorpedeiros da democracia.
Sabemos como o passar do tempo é voraz e nada contemporizador com estratégias de equilíbrios feitos na base de expectativas.
Os exemplos são suficientes e deveriam ser tomados como aviso sério quando o poder é já mais restritivo do que abrangente.
Por força da ajuda determinante que a limitação de mandatos veio trazer à cena política, é intuitivo que o plano começa a inclinar-se no sentido descendente e é hora de honrarmos compromissos perante a sociedade que mandata um partido político.
Não pode haver lugar a distracções nem aceitação de estratégias que encapotadamente deixe tudo como está, como quem coloca o louro num lado e vende o vinho num outro.
Seria um acto realista e de bom senso quebrar o tabu, equacionando-se uma sucessão atempada e realista no seio da maioria à Câmara Municipal, única forma de evitar que, inércias egoístas e contemplativas digam a quem vem atrás que feche a porta.
Muitos sabem que esta minha posição nem sequer é nova, no entanto, continuando tudo como dantes, julgo ser oportuno e legítimo lançar o desafio para que rapidamente o processo de passagem de testemunho aconteça.
Não é crível que quem tem legítimas expectativas e ambições, especialmente aqueles que, de uma ou outra forma, estão ligados ao poder, aceitem pacificamente uma solução tardia que poderá por em causa uma dinâmica política que não é exclusivo de ninguém.
O meu ponto de vista tem por objectivo alertar para a possibilidade, não tão estranha quanto isso, de se entregar o poder a quem não faz jus à sua conquista.
A condição humana não se condói com cenários que não correspondam à satisfação de expectativas e, muito menos, permita a criação de um quadro político de exclusão.
Eu sei que qualquer que seja o sinal que indicie uma quebra do contrato de poder gerará um sentimento de cobrança dificilmente controlável, mas, mesmo assim, entendo que vale a pena pagar o preço, mesmo que experimentemos o gosto amargo do regresso à nossa real dimensão de cidadão.
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Não estranharei que se tente um arranjo floral, enfeitado com espécies migratórias que, outrora, deram vida e morte a outros vasos.
Os movimentos migratórios políticos são também uma espécie de escravatura, donde ressalta a disponibilidade para a subjugação sem condições a um qualquer reizinho de arena.
De fora ficam os inaptos, cujos préstimos se resumem a tarefas de mandaretes para quem à noite se faz dia e, mesmo no breu, o espírito goza só o relâmpago da liberdade.
Julgo chegada a hora de se abrirem as janelas do convento e deixar que os ventos que passam nos tragam alma nova e nos encham os pulmões de ar refrescado.
É preciso um novo período com gosto pela democracia, onde o humano se sinta parte activa da comunidade e não uma coisa permanentemente descartável.
Precisamos de um aligeiramento na pressão do jugo e isso só acontecerá quando formos capazes de reconhecer e sentir o acto que nos quer humilhar.
Não é mais possível, independentemente dos aspectos legalistas, conviver com as dificuldades de discernimento que se vêm notando e que têm expressão em espessa nebulosa, onde os homens e os deveres cívicos já não convergem, caminham em paralelo.
Nós somos a democracia.

segunda-feira, agosto 17, 2009

SACRIFICADOS...

Um julgamento apressado, pode condicionar a descoberta das verdadeiras razões que parecem encaminhar José Sócrates e o Partido Socialista para uma possível hecatombe no nosso panorama político. Quem diria?!...
À primeira abordagem, sentimos natural apetência para uma conclusão que se resume à análise restritiva destes últimos quatro meses de governação.
Os problemas que condicionam este governo de Sócrates e todos aqueles que o antecederam e, por via da regra, os que lhe hão-de suceder, expõem um conjunto de incapacidades que, a dado momento da legislatura, põe a nu uma estratégia não inovadora que castiga as classes mais dependentes da população, levada até aos limites do suportável.
A estratégia, abre falência, quando acaba o filão exploratório dos recursos dos fracos e os governos se confrontam com o fim de linha deste único poder de que dispõem.
Daqui para a frente, ou melhor, daqui para cima, nenhum governo ousou, até hoje, discutir o soberano poder económico, cimentado ao longo dos anos pela escandalosa dependência e subalternização do poder político.
Aquilo a que temos assistido, durante dois anos e meio/três da legislatura, compreende a expectativa natural de quem elegeu e o pernicioso deleite e alheamento de quem foi eleito, período a que costumamos chamar de estado de graça e que, ironicamente, é aproveitado com toda a doçura política, para desancar em gente desarmada.
Os eleitos, comportam-se como figurantes cinzentões, que olham o chefe em função da segurança das suas expectativas e no convencimento fatal de que ele se encarregará de tornar seguro este casamento de conveniência.
Esta procissão de seguidores, indefectíveis e pasmados, só entendem a linguagem da obediência e do servilismo ao chefe, conquanto lhes seja garantido o lugar, têm conduzido o país a um deserto de ideias, por não ousarem fazer o que lhes compete e evitar que quem os comanda se transforme num enorme eucalipto.
Ninguém ouse…, ninguém diga… ninguém fale…, deixem que os chefes, na sua suprema sabedoria, conduzam o rebanho a toques suaves ou a coice, tanto faz, em direcção ao bebedouro público.
Para que o futuro se aclare um pouco nas nossas complicadas mentes, recordo aqui um cenário, que já todos conhecemos de cor e salteado, tal é o embuste estratégico que nos têm servido com inaudível dedicação desde há muito, mas com memória.
Imagine-se que o Partido Socialista ganha as próximas legislativas com maioria simples. Um ano e meio ou dois depois, estamos de novo a ser chamados a votos, já que o Presidente da República dissolverá o parlamento.
Num cenário destes, de resto, estampado na maçuda literatura do livro “O CENTRÃO”, teremos a velha e conhecida alternância, cuja receita só muda a cor do açúcar. Volta tudo à estaca zero.
Seguidamente, as cenas do novo capítulo, mostrar-nos-ão os novos comensais a atropelarem-se para conseguirem um lugar sentado, posição que só abandonarão para aplaudirem de pé a nova mestre-de-cerimónias.
Na linha de partida estão todos com cotoveleiras de aço, para garantirem que chegam inteiros ao reino dos sacrificados, pese embora, já saibam que cordeiros matar.
É neste cenário de promiscuidade política que se discutem as regras que se alteram a meio do jogo, como sejam as candidaturas simultâneas às Câmaras e ao Parlamento, feitas à custa de sacrifícios pessoais e de abnegação partidária, sendo certo, pelos vistos, que os promitentes perdedores nas candidaturas municipais, dão como garantido à partida o seu lugarzinho na lista de deputados. Assim está bem, não há direito a prejudicar?... seja quem for. Ainda bem que o José Lello.. & muita Cª… não são candidatos às autárquicas…
Bastam-nos os Ruas, os Almeidas, os Machados, os Reis, os Soares, os Mouras, os Loureiros, as Damascenos, os Melos, os Motas e os que para lá caminham…, para nos garantirem o gozo do verdadeiro espírito democrático, até ao dia do dilúvio, a hora da partida destes baluartes do regime.
Para trás, fica a terra árida e seca. Salve-se a celulose.